Às vezes dá-me para pensar na vida. Às vezes gosto de pensar na vida.
(– Qual vida?)
E enquanto penso, imagino. As cores são reinventadas, uma e outra vez, os sons inaudíveis tornam-se perfeitamente perceptíveis aos olhos e consigo focar imagens pelos lábios. E se tudo não passasse disso mesmo, de reter imagens pelos olhos, pelos lábios, pelos ouvidos, pelo cheiro, pelas mãos (pelo coração?) … E se tudo não passasse disso mesmo, de reter imagens.
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, calculo a sorte que tenho de o conseguir fazer. Julgo aliviar todos os dias penosos e infindáveis, julgo crer num Deus que saiba dançar, julgo apagar as imagens más que se fixam como plano de fundo e ver no horizonte mãos abertas com músicaem rodapé. Por fim, chego à conclusão que a sorte não é muita.
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, enquanto calculo a sorte que tenho, penso nos medos. Medos medíocres que se instalam deixado da pele. Pele cansada, rugosa, vivida.
(– Em que vida?)
Vivida por anos pesados, dias vagarosos e de olhos a olhar do alto do precipício. Os medos que a vida não traz. Medo de ficar, de partir, medo de ir e, no entanto, regressar, principalmente do caminho que nos falta até os anos pesados se encaixotarem, os dias vagarosos se findarem e de os olhos a olhar do alto do precipício se fecharem com pálpebras de veludo. E medo de não querer tudo isto, medo de não ter medo, medo de não ter nada a perder. Medo de viver.
(– Como não?)
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, enquanto calculo a sorte que tenho e enquanto penso nos medos, penso quando vou deixar de pensar. Provavelmente nunca – ouço em meia voz o teu sussurro. Provavelmente nunca – repito em meia voz o teu sussurro. E penso nisso como a maior mentira que a vida me pode dizer. Penso que um dia, quando deixar de pensar, irei conseguir sentir as tuas mãos nas minhas e todo o vento que deixámos entrar. Irei conseguir sorrir ao olhar de frente os teus olhos e me ver neles, bem fundo. Sei que irei sentir-te de todas as maneiras que alguém pode sentir, e aceitar-te como um todo que és, com as tuas formas esboçadas, os teus sorrisos escassos e olhares ensurdecedores.
E ao fim de pensar na vida, ao fim de nos imaginar a reter imagens, ao fim de calcular a sorte que tenho, ao fim de pensar nos medos e ao fim de pensar quando vou deixar de pensar, começo a sentir-te. E tudo o resto se desfaz. Tudo o resto. E deixam de haver porquês e medos, desaparecem as equações e os cálculos detalhados, desaparece toda a razão. Só me restas tu. E aí, a
- Qual vida?
Não faz sentido.
(– Qual vida?)
E enquanto penso, imagino. As cores são reinventadas, uma e outra vez, os sons inaudíveis tornam-se perfeitamente perceptíveis aos olhos e consigo focar imagens pelos lábios. E se tudo não passasse disso mesmo, de reter imagens pelos olhos, pelos lábios, pelos ouvidos, pelo cheiro, pelas mãos (pelo coração?) … E se tudo não passasse disso mesmo, de reter imagens.
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, calculo a sorte que tenho de o conseguir fazer. Julgo aliviar todos os dias penosos e infindáveis, julgo crer num Deus que saiba dançar, julgo apagar as imagens más que se fixam como plano de fundo e ver no horizonte mãos abertas com música
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, enquanto calculo a sorte que tenho, penso nos medos. Medos medíocres que se instalam deixado da pele. Pele cansada, rugosa, vivida.
(– Em que vida?)
Vivida por anos pesados, dias vagarosos e de olhos a olhar do alto do precipício. Os medos que a vida não traz. Medo de ficar, de partir, medo de ir e, no entanto, regressar, principalmente do caminho que nos falta até os anos pesados se encaixotarem, os dias vagarosos se findarem e de os olhos a olhar do alto do precipício se fecharem com pálpebras de veludo. E medo de não querer tudo isto, medo de não ter medo, medo de não ter nada a perder. Medo de viver.
(– Como não?)
E enquanto penso na vida, enquanto nos imagino a reter imagens, enquanto calculo a sorte que tenho e enquanto penso nos medos, penso quando vou deixar de pensar. Provavelmente nunca – ouço em meia voz o teu sussurro. Provavelmente nunca – repito em meia voz o teu sussurro. E penso nisso como a maior mentira que a vida me pode dizer. Penso que um dia, quando deixar de pensar, irei conseguir sentir as tuas mãos nas minhas e todo o vento que deixámos entrar. Irei conseguir sorrir ao olhar de frente os teus olhos e me ver neles, bem fundo. Sei que irei sentir-te de todas as maneiras que alguém pode sentir, e aceitar-te como um todo que és, com as tuas formas esboçadas, os teus sorrisos escassos e olhares ensurdecedores.
E ao fim de pensar na vida, ao fim de nos imaginar a reter imagens, ao fim de calcular a sorte que tenho, ao fim de pensar nos medos e ao fim de pensar quando vou deixar de pensar, começo a sentir-te. E tudo o resto se desfaz. Tudo o resto. E deixam de haver porquês e medos, desaparecem as equações e os cálculos detalhados, desaparece toda a razão. Só me restas tu. E aí, a
- Qual vida?
Não faz sentido.