sábado, 15 de dezembro de 2007

crime de uma noite - Parte II

Olhei-te, acendendo-te o corpo no queimar do mergulho. Olhaste-me e sorri, ofereci-me, mostrei-me fácil. Não durou mais do que uma festiva baforada no ar até me convidares a entrar, em movimentos de corpo que sabem a carne viva. Desviaste um fino cabelo loiro da face, levantaste-te, fizeste-me ouvir-te num demorado sacrifício:

Por favor, acende a luz e bloqueia-me a fala com a tua mão
Enche de vazio este pálido salão
E dancemos docemente à melodia do Luar

Descodifica-me através de planetas secundários
Emoldura esta noite, o Génesis primário
Através do teu vasto Imaginário
Azul, verde, amarelo canário

Roxo, azul, vermelho-incendiário

Apontaste-me a porta das traseiras. Desci, despi o casaco, poisei-o sobre o dobrar das escadas, calcei as luvas e ajeitei o casaco. O ar sobre a rua pairava morto e quente, fumarento e místico.
Subi, desajeitei o casaco, compus o corpo de menino, de violência nos ombros e sonho no peito. Dei por mim no mar revolto, no teu segredo. Pedi que aguentasses o tempo de respirar e ver o mundo dar uma volta completa. Esqueci-me de deixar cair o peso sobre os ombros e insistia em caminhar tropeçando nos teus passos. Era a primeira vez que amava alguém. E a última.
Lembro-me de querer fechar os olhos e seguir o mar revolto do teu corpo. Lembro-me ainda de te ver nua. De resto, sobrava só sombra e o peso dos meus passos. Não tirei uma única peça de roupa. No escuro, e num tom de silêncio, jurei ter ouvido a lua pôr-se. Olhaste-me num tom que me ordenava prender-te e mentir ao meu corpo. Estaria longe de mim quando te vi como carne da mesma natureza.
As paredes queixavam-se dos sussurros, os vidros quebravam por não nos ouvirem dizer que nos queríamos e as pernas doíam-me de chorar tanto. A madeira rangeu quando soltei a 1ª lágrima. Não consegui, tinha o medo e a vergonha presas no peito, não consegui suster as lágrimas e chovi por mais de mil cantos. Não sustive o pânico e esmorrei o vidro embaciado ao meu lado direito. Tinha as luvas em sangue, tinha o medo no canto dos lábios e a morte no peito. Deixei-me cair, fiz de morto por dez segundos. Adivinhei o teu lugar no quarto, e a tua expressão de espanto, os dedos que me haverias de apontar, o medo que te estaria a escorrer sobre as mãos. Puseste-me a mão na face e disseste algo que não ouvi.
Levantei-me, agarrei-te pelo pescoço e encostei-te à parede, com os pés a um palmo do chão. Esperei mais dez segundos, e outros, e outros… até ficares pálida, estática, até te pôr sobre a palma da mão que nem bicho, que nem borboleta morta numa brincadeira inocente. Tinha parado de chorar. O meu coração voltara a bater no compasso certo.

"Crime de uma noite - parte I" em http://psychodramaticfool.blogspot.com/

Texto em colaboração com:
Amora
Reverso da Medalha

1 comentário:

Lídia disse...

É sempre um prazer colaborar consigo, Sr. Carlos Silveira (és muito porreira ). E também foi um prazer colaborar com o Sr. Cabrita^^ Espero que venham mais colaborações como esta*

Feliz Páscoa a todos []