"...Perto da porta, tombo o corpo para a frente, encosto o mais discreto ouvido à porta que agora não range mais, que agora se limita a separar-me da besta que do outro lado, ainda com cheiro ao mais fumarento vício, espera. Faço então o esforço por não te ouvir respirar e concentro-me na brecha da porta, pela qual te vejo em tom de mágoa afogado. Ouço-te murmurar como uma criança cumprindo seu castigo, vejo-te comprimir toda a face numa expressão de nojo, de choro. Palavras que não me chegam para gritar de espanto por ver que bestas como tu choram, que também elas soltam o húmido gelar de uma alma.
E é o prazer que me percorre as veias a velocidade estonteantes, por ver agora que no nosso retrato, a tua silhueta é tão medíocre quanto a minha, por ver que estamos ambos em mundos que não criámos, que choram por ver que a estaca zero nos serviu de lar. Até à luz, seremos assim, até morrer terei esta imagem de nós, a de uma igualdade medíocre, sabendo que estive tão perto de te tocar, de passar os finos dedos pela tua cara para te dizer que, por mais que a morte te sirva de desculpa, temos ambos a pele nua à exposição da luz impura, à luz suja do mundo, da mesma forma, sem que sejamos os heróis imortais dos nossos rasgados planos. ..."
INSOMNIA